É para você, criança, que eu escrevo essa cartinha hoje.
Para você que sempre amou comer um, dois, três pratos de espaguete
com molho de tomate ao longo do dia. Que adorava a surdez das águas: mergulhar
era seu passatempo favorito, ali, dentro da água, ninguém poderia interromper
seus devaneios, nem lhe dizer que você não era uma sereia ou uma fada.
É para você, menininha querida, que sempre gostou de usar
tomara-que-caia e andar descalça por aí. Que amava subir em árvores mais do que
brincar de bonecas. Que era assombrada
durante as madrugadas por perguntas como: “quem inventou o nome das coisas”? E
que queria ser grande - você não se
conformava em ser pequena, se lembra?
Você odiava aquelas frases sem sentido, como “isso é coisa
de adulto”, “você é pequena demais para entender”, “isso não é para sua idade”,
“lugar de criança é lá fora com as outras crianças”, “quando você crescer,
quando você crescer”...
Você queria aprender a jogar buraco, mas insistiam que seu
jogo devia ser o rouba-monte. Você queria ajudar a lavar os pratos para se
sentir importante, mas nem enxuga-los podia. Você queria ficar vendo TV até
tarde, mas te botavam na cama sem que você tivesse um pingo de sono.
Ah, menininha, você só queria ser grande! Você só queria ser
grande para poder brincar com as primas grandes, que junto às suas irmãs sempre
mandavam você sair do quarto porque “você era pequena demais”.
Mas poxa, você sabia contar histórias como ninguém! Sabia fazer imitações e fazia as gentes
grandes morrerem de rir delas. E você sabia dançar. E você sabia decorar as músicas
dos adultos que nem eles próprios sabiam cantar.
Ah, e você sempre amou os animais. Você morria do pena do
cachorro Billie que sua mãe nunca deixava entrar em casa, nem quando fazia frio.
Preciso te contar um segredinho, florzinha: você não era
insuportável somente porque falava demais, vivia fazendo muitas perguntas e
queria participar de tudo; você não era metidinha somente porque já gostava de
moda desde pequenina e se orgulhava de sua botinha branca da Xuxa e do seu
casaquinho de pelúcia rosa; você não era burra somente porque era pequena; você
nunca atrapalhou ninguém só por ser uma criança, todos os seus medos, todas as
suas dúvidas e todas as suas necessidades eram completamente normais para uma
menininha de sete anos.
Você sempre foi cheia de vida. Você sempre foi um raio de
luz. Você sempre foi carinhosa e preocupada com os sentimentos das pessoas. Sua
inteligência (e esperteza) sempre surpreendeu a todos.
E como era graciosa nos teatrinhos que apresentava! Criativa
nos roteiros que bolava sozinha no quarto e nos figurinos que pedia para sua
avó Esperança costurar na máquina de costura que hoje me serve de penteadeira.
Você, meu anjinho, não tem culpa de nada. Você é inocente. Você
sempre deu o seu melhor em tudo o que fez. Você não tem culpa nem mesmo de ter
desejado ser grande a qualquer preço - você só sentia medo de ficar sozinha, de
ser abandonada, mas ninguém percebia isso.
É para você, linda criança, que escrevo hoje. Escrevo para
dizer que de hoje em diante você não precisa mais ter medo de ficar sozinha: agora
você tem a mim. Agora você tem a mim e eu te amo eternamente.
E sabe o que eu aprendi com você? Aprendi que assim como
você sobreviveu ao sumiço do seu coelho vermelho chamado Beto, aquele que você
cheirava as orelhas enquanto chupava dedo e que ninguém nunca lhe deu a menor
satisfação sobre o desaparecimento, eu também poderia sobreviver sem o meu “objeto
mágico”: o cigarro.
Hoje comemoro 10 meses sem fumar. Ainda estou me adaptando a todos os assombros
que isso acarreta, porém acho que finalmente estou aprendo a ser grande, grande
como você sempre foi, mas não sabia. Hoje eu sei e posso te contar: você era
imensa! Um poço sem fundo de coragem, um mar profundo de amor, uma lagoa
gigante de alegria.
Obrigada por morar em mim e por me emprestar a sua coragem e
toda a sua bondade.
Com amor,
A menina crescida que você se tornou.
monicamontone
eu, ela, nós
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