30.8.17

tabagismo: fatores emocionais do vício

Eis abaixo alguns trechos que considerei relevantes de um ensaio sobre o lado psicológico do tabagismo, escrito pela psicóloga Regina Rocha. O texto na íntegra encontra-se aqui

Parar de fumar

por Regina Rocha

Para compreendermos o que leva alguém a se transformar um dependente do cigarro, precisamos primeiro compreender a questão da dependência física e psicológica dos vícios de modo geral.

Quase todos nós temos um tipo de dependência psicológica tais como: trabalho, dinheiro, compulsão para comer, jogos, consumismo, relações amorosas, etc. As causas das dependências psicológicas estão relacionadas a fatores internos do indivíduo, ou seja, nossa subjetividade, o nosso eu interior, é aí onde precisamos curar.

Quando o indivíduo para de fumar, substitui este vício por outro, geralmente comer ou beber em excesso.

Para os não fumantes o ato de parar de fumar lhes parece simples e estes não conseguem compreender a dimensão do problema fazendo cobranças e rebaixando a autoestima do fumante que sente-se fracassado. 

É necessário compreender que a dor envolvida no processo de ruptura de qualquer tipo de dependência é muito intenso, pode levar a depressão e recaídas.

A nicotina é um tipo de droga que provoca malefícios ao organismo dentro de um prazo longo (40 a 50 anos após o início do vício).

Hábito, vício e dependência

Vamos diferenciar hábito e vício para entendermos melhor o problema. 

Quando temos um hábito e precisamos parar por qualquer motivo, o fazemos sem problema nenhum. Já o vício é o tamanho da falta que sentiremos em relação a ele, além de sensações e sentimentos como ansiedade, depressão, saudade e dor frente à sua ausência. Os hábitos são comportamentos constantes e também nem tão fácil assim de serem mudados, mas não são maléficos à saúde.
O maior vício é o da dependência psíquica ou psicológica, ou seja, o apego que a pessoa estabelece a certa substância ou situação. De forma que não podemos subestimar o grau de importância da dependência física que é um grande reforçador do vício.

A nicotina é um estimulante, mas também tem efeitos calmantes, porém, as reações individuais quanto a seus efeitos são muito variáveis. Quando a pessoa para de fumar, seu organismo sente falta destas substâncias e podem sinalizar alguns sintomas tais como: sonolência, moleza, irritação, impaciência e irritabilidade.

Desta forma, se a pessoa não estiver convicta e determinada a parar, dificilmente conseguirá e retornará ao vício resgatando de volta “o vigor e as boas sensações” que o cigarro lhe proporcionava.

O que gostaria de salientar é que a dependência psicológica precisa ser melhor compreendida neste contexto, pois pode levar o indivíduo à depressão, à substituição de um vício por outro vício, além da grande dor da saudade da nicotina.

Nosso maior obstáculo é compreender a tendência do ser humano a estabelecer vínculos tão intensos com coisas, pessoas ou situações que nos deixa totalmente dependentes de tal forma que não conseguimos viver sem.

A nicotina é uma droga com maior potencial para viciar do que o álcool.

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O cigarro dá ao indivíduo uma sensação de aconchego e amparo que por sua vez acaba se tornando um refúgio num momento em que o indivíduo se vê diante de alguma situação que o deixa inseguro ou desprotegido ou que desestrutura emocionalmente, além disso, faz com que a dependência física também dê seus sinais independentemente do aspecto psicológico. Mesmo que esteja tudo bem no aspecto emocional, o organismo sentirá falta do cigarro, pois seu corpo já está habituado ao vício.

Com o passar dos anos, a pessoa entra na fase adulta e o tipo de relação que tinha com o do cigarro muda. O vício antes lhe trazia a sensação de se achar especial e sedutor e daqui pra frente o cigarro torna-se um grande companheiro.A quantidade ingerida de cigarros aumenta bastante e o cigarro (um objeto) passa a representar uma pessoa, ou seja, alguém de que se tem saudades e não pode se separar.

[...]

Enfim, chega um momento em que o cigarro se torna seu companheiro inseparável, pois este lhe faz sentir seguro e amparado, ou seja, o indivíduo está completamente viciado física e psicologicamente.
O indivíduo tende a minimizar a dimensão da dependência, alegando que pode parar a qualquer momento e que só depende de sua vontade. Talvez tenhamos que encarar a verdade do significado do vício: perdemos o domínio da nossa relação com o cigarro.

A nicotina tem efeitos mais suaves que outros tipos de drogas, mas seus efeitos maléficos irão surgir a longo prazo. Além disso seus efeitos não prejudicam gravemente a vida profissional e afetiva do indivíduo, porém, é uma dependência considerada das mais severas e de difícil recuperação, detonando a autoestima de quem não consegue vencê-la.

Graus de dependência 


Até 20 cigarros por dia: O indivíduo não fuma quando gripado e o seu primeiro cigarro do dia inicia-se na hora do almoço = VICIADO LEVE

Até 25 cigarros por dia: O indivíduo fuma mesmo gripado e o seu primeiro cigarro inicia-se logo após o café da manhã. = VICIADO INTERMEDIÁRIO

Mais de 40 cigarros: O indivíduo fuma mesmo gripado e o seu primeiro inicia-se antes do café da manhã = VICIADO SEVERO

[...]

Todos nós passaremos por situações difíceis na vida, mas temos que estar preparados para enfrentá-las sem a necessidade de nos apegarmos a vícios como sendo nossa salvação.

Nosso aparelho psíquico está estruturado para desejar o prazer. De um lado temos a razão que adia os desejos, pois visa objetivos mais a longo prazo e de outro lado temos os desejos imediatistas buscando o prazer a todo o custo. Temos que achar o equilíbrio, ponderando a respeito de cada situação e decidindo o melhor a fazer.

O consumo regular do cigarro provoca uma sensação de bem estar, pois ampara e também provoca uma sensação boa para a nossa vaidade em algumas situações que consideramos especiais. São várias as boas sensações de prazer imediato que o cigarro traz.

As razões para que o indivíduo pare de fumar precisam ser bastante atraentes, já que a “dor” psicológica e física é grande. A falta de nicotina no corpo causa uma inquietação e depressão para o organismo.

[...] 

Vamos parar de fumar? 

 Preparar-se para batalha

Rompimentos abruptos nos fazem em determinado momento voltar ao vício e acreditar cada vez menos em nós mesmos. Vencer o cigarro é sem dúvida uma grande conquista que resgata a auto estima do indivíduo, sua força e sua confiança na própria razão e para isso precisamos estar preparados. O resultado será válido quando não tivermos mais vontade de fumar, caso contrário, ainda teremos que aprimorar nosso autoconhecimento e nossa honestidade conosco mesmo.
Temos que compreender as sensações de abandono e insignificância que nos fizeram em algum momento de nossas vidas começar a fumar. Temos que nos preparar com calma, pois as mudanças interiores são lentas e necessitam deste tempo para uma vitória mais consistente.

 Assumir que você é um viciado

É difícil assumir que somos viciados porque isto nos deprecia, então tentamos minimizar o problema rotulando como “é apenas um hábito, etc” ou buscando qualquer outra explicação que diminua nossa pena. Devemos ser honestos: Preciso do cigarro e não é apenas um hábito! Só que esta constatação nos deixa tristes porque queremos ser especiais e únicos. Será que não pode se considerar como ser humano normal e passivo de erros e acertos? Será que não está sendo exigentes demais consigo mesmo?A pessoa que se reconhece como viciada não pode imaginar que poderá fumar aleatoriamente em ocasiões especiais. Para viciados não existe meio termo: ou pára ou continua fumando.


 Escolha o momento certo e pare de fumar

Não tenha pressa. Sua voz interior lhe dirá qual é o momento certo de parar de fumar e não defina isto aleatoriamente. Certamente sentirá quando estiver preparado para esta que é uma grande batalha. Geralmente dois anos é um período de tempo ideal para parar, porém, isto varia do amadurecimento de cada um. Se possível, pare de fumar ao mesmo tempo que parentes, amigos ou colegas de trabalho. Isto possibilita poder compartilhar os momentos difíceis, ajudando-se e policiando-se uns aos outros nestas primeiras 24 horas que serão dificílimas sem a companhia do cigarro.
O ideal seria que você entrasse de férias uns 15 dias em um lugar tranqüilo, fazendo coisas que realmente lhe agradem e acompanhado de pessoas que gosta.

Estar preparado para o intenso sofrimento

Sentindo-se psicologicamente preparado para largar o cigarro e enfrentar a dor que isto irá causar, podemos dar um passo para a ação. Mas estar preparado não nos dá a dimensão da dor que iremos sentir na prática. Como também iremos descobrir certas facilidades que nem tínhamos ideia.
O principal aqui é ter conhecimento de tudo o que pode ocorrer com a ausência do cigarro para que você consiga enfrentar melhor e não ter surpresas desagradáveis, fazendo com que desista no meio do caminho. 

A sensação da falta do cigarro é muito ruim e difícil de distinguir se ela é uma causa da falta da nicotina no organismo ou da dor da decisão de ter parado.

As sensações são várias: depressão, calafrio, tensão, irritabilidade devido a algumas horas sem fumar. É uma espécie de crise de abstinência. Acredito que a proibição interna ou externa é um fator fundamental causador de tais sensações e o desespero desta falta é similar ao que os viciados de drogas mais pesadas sentem. A hora que bate o desespero parece que é algo que não irá passar mais, porém, se conseguir suportá-la por alguns minutos ela irá passar.

A pessoa fica numa instabilidade emocional, pois sente-se feliz pela vitória e triste pela saudade do cigarro. Passados os três primeiros dias sem fumar surge um sentimento de felicidade pelo início de uma conquista.

A vontade e o descontrole vão e vem, mas como resistimos das outras vezes sabemos que somos capazes de continuar resistindo e que este estado é temporário e logo passa. Toda a forma de dor passa no que se refere à dependência física ou psicológica. A dependência física que causa desespero não ocorre mais passados alguns dias ou semanas sem o cigarro.

O sentimento que fica é uma certa tristeza, pois parece que estamos perdendo algo de muito valor. Isto porque atribuímos muitos valores ao cigarro e quando o perdemos, parece que perdemos parte de nós mesmos.

Ele era a nossa a nossa vaidade e a sensação de sermos seres especiais, únicos e diferentes. Hoje em dia os valores mudaram, pois as pessoas estão buscando mais qualidade de vida e os fumantes de alguma forma estão sendo cada vez mais excluídos do convívio público e a pessoa que não fuma que é considerada especial e admirada.

Na maioria das pessoas a vitória traz uma sensação de bem estar que aos poucos suprime a depressão causada pela falta do cigarro. Em algumas delas a depressão predomina e nestes casos é necessário trabalhar em psicoterapia quais os motivos que fazem com que a pessoa ainda esteja tão dependente psicologicamente de um objeto em recusa à sua individualidade e independência.

Quando percebemos que a pessoa estava realmente pronta para parar de fumar?

A pessoa não tenta substituir o cigarro por um outro tipo de vício como o álcool, doces, alimentos ou outras drogas. É importante se policiar para não abrir porta para outro vício, até porque outro vício pode “chamar” a vontade de dar só uma tragadinha. Quem já foi viciado não deve ter acesso à droga, pois pode ter rápida recaída.

Nos primeiros meses de interrupção, o metabolismo do organismo é reduzido devido à falta da nicotina que é estimulante e por isso a pessoa pode engordar de 7-8 quilos. Desta forma é aconselhável fazer exercícios regularmente para evitar um possível ressentimento com o fato de engordar muito.

Para combater o vício precisamos entender o porquê buscamos na relação com os objetos atenuar sentimento de desamparo

Temos que trabalhar mais nossa individualidade de forma que não precisemos mais de atenuadores externos a nós mesmos alcançando uma autosuficiência.

É através da boca que buscamos o prazer e a satisfação desde a mais tenra infância e quando nos sentimos desamparados buscamos algo que levamos a boca para atenuar esse sentimento.
“Para Sigmund Freud (1856-1939), em 1905, a boca seria a via de comunicação com o mundo externo. A relação que a criança faz entre leite (seio) e amor é algo que orienta o rumo de uma boa alimentação e a transição do leite para o alimento sólido. Essa experiência transcende o vínculo primário com a mãe quando é então criado, a partir daí, um modelo de relações afetivas interpessoais posteriores, na sua vida adulta. Enquanto mama, o bebê não esta simplesmente se alimentando, mas, realizando uma das mais importantes experiências de sua vida. Se até aqui concordamos com essa direção do pensamento, podemos supor que a maneira como o bebê vive essa experiência e a possibilidade de simbolizar esta vivência como boa e prazerosa, servirá de base para toda a vida afetiva e diretamente influenciará na forma da alimentação adulta.”

Quando estamos dentro do ventre de nossa mãe mantemos uma relação satisfatória, pois estamos aconchegados e protegidos que chamamos de simbiose. Já quando nascemos entramos em um novo “mundo” nos sentimos de certa forma desamparados e tentamos chegar próximo da simbiose perdida através da amamentação no seio materno.

Parece que temos uma inquietação oral que existe antes do vício do cigarrro e temos que entender e separar esta inquietação do vício do cigarro. E talvez seja por existência desta inquietação que existam a chupeta e a gomas de mascar por exemplo.

Temos questões existenciais que não são curadas por nenhum tipo vício, seja ele qual for, pelo contrário, além de não nos ajudar a resolvê-las destroem a nossa saúde e nossa autoestima diminuindo ainda mais as nossas forças para compreender e resolver nossa problemática existencial.

A vaidade 

Outra questão que deve ser compreendida é um componente da nossa sexualidade que é a vaidade. Ela está diretamente ligada à construção da individualidade. Buscamos nos destacar dentro do grupo ao qual estamos inseridos e desta forma queremos ser especiais e diferentes para chamar a atenção. E as propagandas vendiam isto antigamente (hoje este cenário mudou um pouco): Quem fumava era mais “adulto”, sensual, mais erotizado. E qual jovem não gostaria de se sentir assim?

A vaidade contribuiu para nos viciarmos a favor do cigarro. Hoje para lutarmos contra o vício temos que fazer com que nossa vaidade mude de lado..Atualmente fumar é “fora de moda” , além de ser proibido em vários lugares públicos, ou seja, deixou de ser uma vaidade para ser quase vergonhoso, fato que pode ajudar os fumantes a combater o vício.

A vaidade sempre existirá, mas porque não usarmos ela em nosso benefício e dos que nos cercam? A vaidade está em não fumar. Somos mais fortes que o vício, não somos proibidos de frequentar lugares, ganhamos em saúde, enfim tudo conspira a favor do fim do cigarro.

Passam os anos e fica uma leve saudade do cigarro, afinal fez parte de nossa vida, nos aconchegou e amparou nos momentos difíceis e nos trazia uma “certa segurança” apesar dos seus malefícios.
O cigarro então entra em nossa vida pela via da vaidade e pelo desejo de independência. Fumamos quando nos sentimos desamparados e também quando queremos completar um total bem estar (oralidade).

O desamparo faz parte da vida do ser humano e sempre irá existir. Sempre em algum momento de nossas vidas iremos nos sentir desamparados em relação ao universo. Quando enfrentamos o desamparo de verdade, isto nos leva a pensar em questões muito profundas que não sabemos responder e fogem ao nosso modo lógico de pensar.

Temos uma inquietação oral que confundimos muitas vezes com o desejo pelo cigarro. Na verdade a inquietação oral existe independentemente do desejo pelo cigarro, pois ela irá sempre estar presente sinalizando um sentimento de desamparo que temos desde a infância e tentamos amenizar através da boca.

É um desamparo da condição de sermos humanos e que devemos atenuar procurando compreender mais intensamente tal condição numa reflexão religiosa ou em relacionamentos amorosos consistentes que possam atenuar. Em geral as pessoas que se afastam das drogas se aproximam da religião. As pessoas passam a ter que fazer uma reflexão mais séria da questão do desamparo a partir das concepções religiosas.

O que não podemos é usar qualquer tipo de vício para resolver o problema.

O mais difícil para o ser humano é aceitar a expressão “nunca mais”. Nunca mais fumar é bastante doloroso como tudo que cortamos definitivamente em nossas vidas. 

[...]



imagem: google


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