Eis abaixo alguns trechos que considerei relevantes de um ensaio sobre o lado psicológico do tabagismo, escrito pela psicóloga Regina Rocha. O texto na íntegra encontra-se aqui.
Parar de fumar
por Regina Rocha
Para compreendermos o que leva alguém a se transformar um dependente do
Quase todos nós temos um tipo de dependência psicológica
tais como: trabalho, dinheiro, compulsão para comer, jogos, consumismo,
relações amorosas, etc. As causas das dependências psicológicas estão
relacionadas a fatores internos do indivíduo, ou seja, nossa subjetividade, o
nosso eu interior, é aí onde precisamos curar.
Quando o indivíduo para de fumar, substitui este vício por
outro, geralmente comer ou beber em excesso.
Para os não fumantes o ato de parar de fumar lhes parece
simples e estes não conseguem compreender a dimensão do problema fazendo
cobranças e rebaixando a autoestima do fumante que sente-se fracassado.
É
necessário compreender que a dor envolvida no processo de ruptura de qualquer
tipo de dependência é muito intenso, pode levar a depressão e recaídas.
A nicotina é um tipo de droga que provoca malefícios ao
organismo dentro de um prazo longo (40 a 50 anos após o início do vício).
Hábito, vício e dependência
Vamos diferenciar hábito e vício para entendermos melhor o
problema.
Quando temos um hábito e precisamos parar por qualquer motivo, o
fazemos sem problema nenhum. Já o vício é o tamanho da falta que sentiremos em
relação a ele, além de sensações e sentimentos como ansiedade, depressão,
saudade e dor frente à sua ausência. Os hábitos são comportamentos constantes e
também nem tão fácil assim de serem mudados, mas não são maléficos à saúde.
O maior vício é o da dependência psíquica ou psicológica, ou
seja, o apego que a pessoa estabelece a certa substância ou situação. De forma
que não podemos subestimar o grau de importância da dependência física que é um
grande reforçador do vício.
A nicotina é um estimulante, mas também tem efeitos
calmantes, porém, as reações individuais quanto a seus efeitos são muito
variáveis. Quando a pessoa para de fumar, seu organismo sente falta destas
substâncias e podem sinalizar alguns sintomas tais como: sonolência, moleza,
irritação, impaciência e irritabilidade.
Desta forma, se a pessoa não estiver convicta e determinada
a parar, dificilmente conseguirá e retornará ao vício resgatando de volta “o
vigor e as boas sensações” que o cigarro lhe proporcionava.
O que gostaria de salientar é que a dependência psicológica
precisa ser melhor compreendida neste contexto, pois pode levar o indivíduo à
depressão, à substituição de um vício por outro vício, além da grande dor da
saudade da nicotina.
Nosso maior obstáculo é compreender a tendência do ser
humano a estabelecer vínculos tão intensos com coisas, pessoas ou situações que
nos deixa totalmente dependentes de tal forma que não conseguimos viver sem.
A nicotina é uma droga com maior potencial para viciar do
que o álcool.
[...]
O cigarro dá ao indivíduo uma sensação de aconchego e amparo
que por sua vez acaba se tornando um refúgio num momento em que o indivíduo se
vê diante de alguma situação que o deixa inseguro ou desprotegido ou que desestrutura
emocionalmente, além disso, faz com que a dependência física também dê seus
sinais independentemente do aspecto psicológico. Mesmo que esteja tudo bem no
aspecto emocional, o organismo sentirá falta do cigarro, pois seu corpo já está
habituado ao vício.
Com o passar dos anos, a pessoa entra na fase adulta e o
tipo de relação que tinha com o do cigarro muda. O vício antes lhe trazia a
sensação de se achar especial e sedutor e daqui pra frente o cigarro torna-se
um grande companheiro.A quantidade ingerida de cigarros aumenta bastante e o
cigarro (um objeto) passa a representar uma pessoa, ou seja, alguém de que se
tem saudades e não pode se separar.
[...]
Enfim, chega um momento em que o cigarro se torna seu
companheiro inseparável, pois este lhe faz sentir seguro e amparado, ou seja, o
indivíduo está completamente viciado física e psicologicamente.
O indivíduo tende a minimizar a dimensão da dependência,
alegando que pode parar a qualquer momento e que só depende de sua vontade.
Talvez tenhamos que encarar a verdade do significado do vício: perdemos o domínio
da nossa relação com o cigarro.
A nicotina tem efeitos mais suaves que outros tipos de
drogas, mas seus efeitos maléficos irão surgir a longo prazo. Além disso seus
efeitos não prejudicam gravemente a vida profissional e afetiva do indivíduo,
porém, é uma dependência considerada das mais severas e de difícil recuperação,
detonando a autoestima de quem não consegue vencê-la.
Graus de dependência
Até 20 cigarros por dia: O indivíduo não fuma quando gripado
e o seu primeiro cigarro do dia inicia-se na hora do almoço = VICIADO LEVE
Até 25 cigarros por dia: O indivíduo fuma mesmo gripado e o
seu primeiro cigarro inicia-se logo após o café da manhã. = VICIADO
INTERMEDIÁRIO
Mais de 40 cigarros: O indivíduo fuma mesmo gripado e o seu
primeiro inicia-se antes do café da manhã = VICIADO SEVERO
[...]
Todos nós passaremos por situações difíceis na vida, mas
temos que estar preparados para enfrentá-las sem a necessidade de nos apegarmos
a vícios como sendo nossa salvação.
Nosso aparelho psíquico está estruturado para desejar o
prazer. De um lado temos a razão que adia os desejos, pois visa objetivos mais
a longo prazo e de outro lado temos os desejos imediatistas buscando o prazer a
todo o custo. Temos que achar o equilíbrio, ponderando a respeito de cada
situação e decidindo o melhor a fazer.
O consumo regular do cigarro provoca uma sensação de bem
estar, pois ampara e também provoca uma sensação boa para a nossa vaidade em
algumas situações que consideramos especiais. São várias as boas sensações de
prazer imediato que o cigarro traz.
As razões para que o indivíduo pare de fumar precisam ser
bastante atraentes, já que a “dor” psicológica e física é grande. A falta de
nicotina no corpo causa uma inquietação e depressão para o organismo.
[...]
Preparar-se para batalha
Rompimentos abruptos nos fazem em determinado momento voltar
ao vício e acreditar cada vez menos em nós mesmos. Vencer o cigarro é sem
dúvida uma grande conquista que resgata a auto estima do indivíduo, sua força e
sua confiança na própria razão e para isso precisamos estar preparados. O
resultado será válido quando não tivermos mais vontade de fumar, caso
contrário, ainda teremos que aprimorar nosso autoconhecimento e nossa
honestidade conosco mesmo.
Temos que compreender as sensações de abandono e
insignificância que nos fizeram em algum momento de nossas vidas começar a
fumar. Temos que nos preparar com calma, pois as mudanças interiores são lentas
e necessitam deste tempo para uma vitória mais consistente.
Assumir que você é um viciado
É difícil assumir que somos viciados porque isto nos
deprecia, então tentamos minimizar o problema rotulando como “é apenas um
hábito, etc” ou buscando qualquer outra explicação que diminua nossa pena.
Devemos ser honestos: Preciso do cigarro e não é apenas um hábito! Só que esta
constatação nos deixa tristes porque queremos ser especiais e únicos. Será que
não pode se considerar como ser humano normal e passivo de erros e acertos?
Será que não está sendo exigentes demais consigo mesmo?A pessoa que se reconhece como viciada não pode imaginar que
poderá fumar aleatoriamente em ocasiões especiais. Para viciados não existe
meio termo: ou pára ou continua fumando.
Escolha o momento certo e pare de fumar
Não tenha pressa. Sua voz interior lhe dirá qual é o momento
certo de parar de fumar e não defina isto aleatoriamente. Certamente sentirá
quando estiver preparado para esta que é uma grande batalha. Geralmente dois
anos é um período de tempo ideal para parar, porém, isto varia do
amadurecimento de cada um. Se possível, pare de fumar ao mesmo tempo que parentes,
amigos ou colegas de trabalho. Isto possibilita poder compartilhar os momentos
difíceis, ajudando-se e policiando-se uns aos outros nestas primeiras 24 horas
que serão dificílimas sem a companhia do cigarro.
O ideal seria que você entrasse de férias uns 15 dias em um
lugar tranqüilo, fazendo coisas que realmente lhe agradem e acompanhado de
pessoas que gosta.
Estar preparado para o intenso sofrimento
Sentindo-se psicologicamente preparado para largar o cigarro
e enfrentar a dor que isto irá causar, podemos dar um passo para a ação. Mas
estar preparado não nos dá a dimensão da dor que iremos sentir na prática. Como
também iremos descobrir certas facilidades que nem tínhamos ideia.
O principal aqui é ter conhecimento de tudo o que pode
ocorrer com a ausência do cigarro para que você consiga enfrentar melhor e não
ter surpresas desagradáveis, fazendo com que desista no meio do caminho.
A
sensação da falta do cigarro é muito ruim e difícil de distinguir se ela é uma
causa da falta da nicotina no organismo ou da dor da decisão de ter parado.
As sensações são várias: depressão, calafrio, tensão,
irritabilidade devido a algumas horas sem fumar. É uma espécie de crise de
abstinência. Acredito que a proibição interna ou externa é um fator fundamental
causador de tais sensações e o desespero desta falta é similar ao que os
viciados de drogas mais pesadas sentem. A hora que bate o desespero parece que é algo que não irá
passar mais, porém, se conseguir suportá-la por alguns minutos ela irá passar.
A pessoa fica numa instabilidade emocional, pois sente-se
feliz pela vitória e triste pela saudade do cigarro. Passados os três primeiros
dias sem fumar surge um sentimento de felicidade pelo início de uma conquista.
A vontade e o descontrole vão e vem, mas como resistimos das
outras vezes sabemos que somos capazes de continuar resistindo e que este
estado é temporário e logo passa. Toda a forma de dor passa no que se refere à dependência
física ou psicológica. A dependência física que causa desespero não ocorre mais
passados alguns dias ou semanas sem o cigarro.
O sentimento que fica é uma certa tristeza, pois parece que
estamos perdendo algo de muito valor. Isto porque atribuímos muitos valores ao
cigarro e quando o perdemos, parece que perdemos parte de nós mesmos.
Ele era a nossa a nossa vaidade e a sensação de sermos seres
especiais, únicos e diferentes. Hoje em dia os valores mudaram, pois as pessoas
estão buscando mais qualidade de vida e os fumantes de alguma forma estão sendo
cada vez mais excluídos do convívio público e a pessoa que não fuma que é
considerada especial e admirada.
Na maioria das pessoas a vitória traz uma sensação de bem
estar que aos poucos suprime a depressão causada pela falta do cigarro. Em algumas
delas a depressão predomina e nestes casos é necessário trabalhar em
psicoterapia quais os motivos que fazem com que a pessoa ainda esteja tão
dependente psicologicamente de um objeto em recusa à sua individualidade e
independência.
Quando percebemos que a pessoa estava realmente pronta para
parar de fumar?
A pessoa não tenta substituir o cigarro por um outro tipo de
vício como o álcool, doces, alimentos ou outras drogas. É importante se
policiar para não abrir porta para outro vício, até porque outro vício pode
“chamar” a vontade de dar só uma tragadinha. Quem já foi viciado não deve ter
acesso à droga, pois pode ter rápida recaída.
Nos primeiros meses de interrupção, o metabolismo do
organismo é reduzido devido à falta da nicotina que é estimulante e por isso a
pessoa pode engordar de 7-8 quilos. Desta forma é aconselhável fazer exercícios
regularmente para evitar um possível ressentimento com o fato de engordar
muito.
Para combater o vício precisamos entender o porquê buscamos
na relação com os objetos atenuar sentimento de desamparo.
Temos que trabalhar
mais nossa individualidade de forma que não precisemos mais de atenuadores
externos a nós mesmos alcançando uma autosuficiência.
É através da boca que buscamos o prazer e a satisfação desde
a mais tenra infância e quando nos sentimos desamparados buscamos algo que
levamos a boca para atenuar esse sentimento.
“Para Sigmund Freud (1856-1939), em 1905, a boca seria a via
de comunicação com o mundo externo. A relação que a criança faz entre leite
(seio) e amor é algo que orienta o rumo de uma boa alimentação e a transição do
leite para o alimento sólido. Essa experiência transcende o vínculo primário
com a mãe quando é então criado, a partir daí, um modelo de relações afetivas
interpessoais posteriores, na sua vida adulta. Enquanto mama, o bebê não esta
simplesmente se alimentando, mas, realizando uma das mais importantes
experiências de sua vida. Se até aqui concordamos com essa direção do
pensamento, podemos supor que a maneira como o bebê vive essa experiência e a
possibilidade de simbolizar esta vivência como boa e prazerosa, servirá de base
para toda a vida afetiva e diretamente influenciará na forma da alimentação
adulta.”
Quando estamos dentro do ventre de nossa mãe mantemos uma
relação satisfatória, pois estamos aconchegados e protegidos que chamamos de
simbiose. Já quando nascemos entramos em um novo “mundo” nos sentimos de certa
forma desamparados e tentamos chegar próximo da simbiose perdida através da
amamentação no seio materno.
Parece que temos uma inquietação oral que existe antes do
vício do cigarrro e temos que entender e separar esta inquietação do vício do
cigarro. E talvez seja por existência desta inquietação que existam a chupeta e
a gomas de mascar por exemplo.
Temos questões existenciais que não são curadas por nenhum
tipo vício, seja ele qual for, pelo contrário, além de não nos ajudar a
resolvê-las destroem a nossa saúde e nossa autoestima diminuindo ainda mais as
nossas forças para compreender e resolver nossa problemática existencial.
A vaidade
Outra questão que deve ser compreendida é um componente da
nossa sexualidade que é a vaidade. Ela está diretamente ligada à construção da
individualidade. Buscamos nos destacar dentro do grupo ao qual estamos
inseridos e desta forma queremos ser especiais e diferentes para chamar a
atenção. E as propagandas vendiam isto antigamente (hoje este cenário mudou um
pouco): Quem fumava era mais “adulto”, sensual, mais erotizado. E
qual jovem não gostaria de se sentir assim?
A vaidade contribuiu para nos viciarmos a favor do cigarro.
Hoje para lutarmos contra o vício temos que fazer com que nossa vaidade mude de
lado..Atualmente fumar é “fora de moda” , além de ser proibido em vários
lugares públicos, ou seja, deixou de ser uma vaidade para ser quase vergonhoso,
fato que pode ajudar os fumantes a combater o vício.
A vaidade sempre existirá, mas porque não usarmos ela em
nosso benefício e dos que nos cercam? A vaidade está em não fumar. Somos mais
fortes que o vício, não somos proibidos de frequentar lugares, ganhamos em
saúde, enfim tudo conspira a favor do fim do cigarro.
Passam os anos e fica uma leve saudade do cigarro, afinal
fez parte de nossa vida, nos aconchegou e amparou nos momentos difíceis e nos
trazia uma “certa segurança” apesar dos seus malefícios.
O cigarro então entra em nossa vida pela via da vaidade e
pelo desejo de independência. Fumamos quando nos sentimos desamparados e também
quando queremos completar um total bem estar (oralidade).
O desamparo faz parte da vida do ser humano e sempre irá
existir. Sempre em algum momento de nossas vidas iremos nos sentir desamparados
em relação ao universo. Quando enfrentamos o desamparo de verdade, isto nos
leva a pensar em questões muito profundas que não sabemos responder e fogem ao
nosso modo lógico de pensar.
Temos uma inquietação oral que confundimos muitas vezes com
o desejo pelo cigarro. Na verdade a inquietação oral existe independentemente
do desejo pelo cigarro, pois ela irá sempre estar presente sinalizando um
sentimento de desamparo que temos desde a infância e tentamos amenizar através
da boca.
É um desamparo da condição de sermos humanos e que devemos
atenuar procurando compreender mais intensamente tal condição numa reflexão
religiosa ou em relacionamentos amorosos consistentes que possam atenuar. Em
geral as pessoas que se afastam das drogas se aproximam da religião. As pessoas
passam a ter que fazer uma reflexão mais séria da questão do desamparo a partir
das concepções religiosas.
O que não podemos é usar qualquer tipo de vício para
resolver o problema.
O mais difícil para o ser humano é aceitar a expressão
“nunca mais”. Nunca mais fumar é bastante doloroso como tudo que cortamos
definitivamente em nossas vidas.
[...]
imagem: google
Nenhum comentário:
Postar um comentário